Passar para a navegação primária Passar para o conteúdo Passar para o rodapé
Regressar a Blog

Como comer vegano à moda tradicional portuguesa

Bowl of couscous salad with black-eyed peas and greens on a white surface.

 

Se pensarmos rapidamente na comida tradicional portuguesa, é provável que nos venha à cabeça uma lista de pratos à base de proteína animal: bacalhau nas suas mil versões, carne de porco com amêijoas à alentejana, tentáculos de polvo grelhados com batatas assadas bem regadas com azeite, frango assado com piri-piri, e por aí fora. Hoje em dia, a imagem associada à mesa portuguesa é de abundância. Mas, durante grande parte da sua história, a relação de Portugal com a comida foi moldada sobretudo pela escassez.

Até muito recentemente, pense-se em duas gerações atrás, carne e peixe eram luxos. As famílias rurais, que constituíam a larga maioria da população até meados do século XX, viviam do que a terra dava e do que era possível armazenar ao longo das estações. Isso traduzia-se sobretudo em cereais, leguminosas, hortícolas e azeite. Quando se matava o porco, era uma ou duas vezes por ano, e aproveitava-se tudo, conservado para durar meses, muitas vezes em forma de enchidos. No dia a dia, porém, a alimentação era modesta e surpreendentemente à base de plantas.

Imagem de capa cortesia de 1001 Ideias

 

Close-up of a golden-brown omelette with visible vegetables on a plate.Imagem cortesia de As Receitas do Gato

 

Claro que os nossos antepassados não lhe chamavam veganismo, chamavam-lhe sobrevivência. Pão, feijão, couve e azeite formavam o “quarteto sagrado” da mesa portuguesa. Pelo país afora, cada região usava o que tinha em maior abundância: milho e couve no Norte, pão e azeite no Alentejo, feijões e grão-de-bico um pouco por todo o lado. O peixe entrava quando a geografia o permitia, ao longo da costa e nos estuários, mas no interior aprendeu-se a extrair nutrição e sabor das plantas. Daí os cozinheiros portugueses serem mestres em transformar “comida pobre” em algo reconfortante e cheio de alma. Vê-se isso na açorda alentejana, um caldo perfumado de alho e coentros que, no fundo, é água, pão e ervas elevados pela técnica. Vê-se também nas migas (na foto acima), outra invenção alentejana nascida do pão do dia anterior e dos verdes que houvesse à mão. Sente-se no arroz de tomate e noutras versões de arroz malandrinho, um verdadeiro ícone do conforto português.

Se a geografia ajudou a moldar os hábitos, a religião também contribuiu. Durante séculos, o calendário católico impôs dias de jejum em que a carne era proibida, desafiando os cozinheiros a procurar sabor em hortícolas, cereais e leguminosas. Essas restrições, somadas à necessidade, deram origem a um repertório riquíssimo de pratos à base de plantas que sobreviveu mesmo quando voltou a prosperidade. Ironicamente, com a modernização e o maior acesso à carne, muitas dessas receitas foram sendo empurradas para o papel de acompanhamento ou, infelizmente, caíram no esquecimento.

No começo do século XXI, as coisas começaram a mudar. Muitos visitantes assumem que comer vegano em Portugal implica ir à caça de cafés da moda com tostas de abacate e smoothie bowls. Claro que também temos disso, e até restaurantes incríveis que veganizam clássicos portugueses, mas há magia à base de plantas a acontecer em tascas e estabelecimentos despretensiosos que, em alguns casos, pouco mudaram o seu menu em décadas. O truque está em saber onde olhar e o que pedir.

Neste guia, mostramos como ler as ementas locais, identificar pratos naturalmente veganos e combiná-los para criar refeições equilibradas, reconfortantes e genuinamente portuguesas.

 

Compreender como funcionam as ementas portuguesas

Quando se percebe como as ementas portuguesas estão organizadas, percebe-se também que comer vegano em Portugal não só é possível, como em muitos casos pode até ser surpreendentemente fácil, se souber como proceder. Uma ementa típica de restaurante tradicional segue uma ordem familiar, incluindo sopas, petiscos (pequenos pratos que também podem estar listados como entradas), pratos principais, acompanhamentos e sobremesas. O problema é que a maioria dos visitantes olha apenas para a seção dos pratos principais, geralmente repleta de clássicos de carne e peixe. Se ficar por aí, vai pensar que opções veganas não existem. Mas a verdade é que o verdadeiro tesouro está nas seções mais modestas da ementa, ou seja, nas sopas, nos acompanhamentos e nos petiscos.

 

Yellow soup with green herbs in a white bowl, on a green plate with a spoon.Imagem cortesia de Teleculinária

 

Quase todos os restaurantes, dos mais rústicos aos mais modernos, servem pelo menos uma sopa do dia. Na maioria das vezes é sopa de legumes, feita com os produtos da época e normalmente com uma base triturada de batata, cenoura, cebola, alho e talvez outro legume, como abóbora, alho-francês, nabo e/ou curgete. Depois, juntam-se folhas verdes, sendo as mais comuns as nabiças, os espinafres ou algum tipo de couve. Se quiser dar um reforço nutricional à sua sopa, o que pode ser especialmente útil se as opções seguintes não forem ricas em proteína vegetal, procure as sopas com leguminosas, como a sopa de grão com espinafres. No entanto, é importante familiarizar-se com as sopas vegetarianas mais típicas em Portugal, pois muitas das que incluem leguminosas têm também por norma pedaços de carne (como a sopa da pedra, com feijão encarnado e enchidos). Curiosamente, o ultra popular caldo verde, talvez a sopa portuguesa mais conhecida, é geralmente à base de plantas, desde que se peça para ser servido sem a rodela de chouriço, que costuma ser colocada apenas no empratamento. Caso contrário, a sopa leva apenas batata, cebola, alho, azeite e uma boa dose de couve-galega.

 

Plate with green olives and yellow lupini beans.Imagem cortesia de Notícias ao Minuto

 

Depois vêm os petiscos, o equivalente português às tapas espanholas. Estes pequenos pratos aparecem muitas vezes como entradas, mas os portugueses sabem que, se pedirem dois ou três, têm facilmente uma refeição completa. Num contexto vegano, são os seus melhores aliados. Pense em azeitonas temperadas, tremoços, essas leguminosas salgadas e firmes que se petiscam com uma cerveja fresca, ou um bom pão mergulhado em azeite. Claro que tudo isto são mais snacks do que verdadeiros elementos de uma refeição, mas, combinados, dão sabor e valor nutricional ao conjunto. Convém também ter em conta que, por vezes, um prato listado sob a seção de petiscos pode tornar-se vegano com um pequeno ajuste. Se vir ovos com espargos, por exemplo, pode simplesmente pedir só os espargos, e o cozinheiro poderá porventura adaptar a receita. O mesmo se aplica a cogumelos salteados, que por vezes são terminados com manteiga, mas ficam igualmente saborosos quando cozinhados com azeite. Um educado “pode ser só com azeite, por favor?” costuma resolver o assunto.

 

A bowl of tomato-based soup with rice, beans, and parsley garnish on top.Imagem cortesia de Ruralea

 

A seguir surgem os pratos principais, que são, sem dúvida, os mais desafiantes para quem segue uma alimentação à base de plantas. A maioria tem como centro o peixe ou a carne, mas não descarte esta secção por completo, até porque, ao lado das receitas com proteína animal, pode encontrar acompanhamentos interessantes que nem sempre estão listados na secção oficial de acompanhamentos, e que podem ser verdadeiros salva-vidas para quem segue uma dieta vegan. Fique atento a pratos como arroz de feijão ou migas, feitas com pão, azeite e verduras, que são naturalmente veganos ou facilmente adaptáveis.

Depois há os acompanhamentos propriamente ditos, que mostram bem que, para comer comida tradicional vegan em Portugal, é preciso alguma criatividade nas combinações. Os pratos principais portugueses são quase sempre servidos com acompanhamentos, que também podem ser pedidos separadamente. As opções típicas incluem arroz (simples, como arroz branco, ou mais rico, como o arroz de tomate), batatas fritas, batatas cozidas, grelos ou couve portuguesa, e legumes cozidos como brócolos, cenouras ou feijão-verde. Combine dois ou três destes elementos e terá uma refeição completa e saborosa. No fundo, algo muito semelhante ao que se comia em casa da maioria dos portugueses, até há não muito tempo.

 

Baked apple with cinnamon sticks and sauce on a white plate.Imagem cortesia de NCultura

 

Por fim, as sobremesas. Voltaremos mais adiante aos doces veganos, mas para já saiba que a lista de sobremesas de uma tasca costuma esconder pequenos tesouros bem simples, como fruta da época (geralmente servida descascada e fatiada), maçã assada com canela ou pêra bêbeda, cozida em vinho com especiarias. Se vir a palavra “caseira” ao lado de uma sobremesa, vale sempre a pena perguntar, pois pelo menos o funcionário saberá exatamente o que leva o doce, feito no local. Às vezes, até umas simples fatias de laranja com canela podem saber autenticamente a Portugal, mesmo que, sejamos honestos, não saciem da mesma forma que um doce açucarado.

Note que, na grande maioria dos casos, os restaurantes familiares não colocam as etiquetas “vegetariano” ou “vegan” junto dos pratos que aqui mencionamos. É simplesmente comida rústica e, para perceber melhor como navegar estas opções, sobretudo fora das grandes cidades, nada como não ter vergonha de perguntar.

 

Pratos salgados portugueses que são naturalmente vegan

Se há algo que a cozinha portuguesa nos ensina, é que simplicidade e sabor não são opostos.

Sopas

As sopas são um pilar indiscutível da alimentação portuguesa. Muito antes de servirem como entrada, eram, por si só, a refeição principal. Especialmente quando acompanhadas por umas fatias de pão português, que varia conforme a região. Como referido acima, a mais comum é a sopa de legumes, uma sopa espessa que se encontra em todo o país, de Lisboa aos Açores. Cada cozinheiro tem a sua versão, mas a base é quase sempre a mesma, feita com abóbora, cenoura, batata, curgete, couve e cebola, ligadas por um generoso fio de azeite. Regar a sopa com mais um pouco de azeite depois de servida pode ser um extra saboroso e saudável, já que assim se aproveitam melhor os antioxidantes e polifenóis. Como o azeite está sempre presente na mesa portuguesa, pode fazê-lo a gosto.

 

Bowl of tomato, cucumber, and onion salad with herbs.Imagem cortesia de Paul Goyette em Wikipedia

 

No Norte de Portugal, o caldo verde é o expoente máximo das sopas. Feito com couve-galega cortada em juliana e batata, é tradicionalmente enriquecido com algumas rodelas de chouriço, mas na verdade não precisa de carne para ser completo. Mais a sul, encontramos a açorda alentejana, um dos melhores exemplos da cozinha de aproveitamento portuguesa. É feita apenas com água, alho, coentros, azeite e pão duro, transformados num caldo aromático e reconfortante. O ovo que por vezes se vê no prato é um acrescento mais moderno, já que a versão original era vegan por padrão, e pode sempre pedir que a sirvam assim, sem ovo. O Alentejo é também terra de gaspacho alentejano, uma sopa fria de tomate e pepino, consumida no verão, que não deve ser confundida com o gazpacho espanhol. O gaspacho português é feito com pedaços inteiros e mais parecido com uma salada mais líquida do que com uma sopa propriamente dita. Quando chega o tempo fresco, a sopa de tomate ocupa o seu lugar como uma das receitas mais reconfortantes da região. Feita com tomates maduros estufados lentamente com cebola e alho, é muitas vezes finalizada com um ovo escalfado por cima, mas como é apenas um toque final, basta pedir sem ovo para desfrutar de uma versão vegan igualmente saborosa deste clássico rústico. Uma preparação semelhante existe na Madeira, conhecida como sopa de tomate e cebola, onde a base de tomate e cebola caramelizada resulta num caldo ligeiramente mais adocicado. Também aqui é comum servir-se com um ovo, portanto a mesma regra se aplica, ou seja, basta pedir sem ovo para a saborear totalmente à base de plantas.

Mais a norte, no outono, pode encontrar-se sopa de castanha, feita com castanhas de Trás-os-Montes. É encorpada e terrosa, mas convém confirmar se a versão que vai pedir não leva natas, como acontece em algumas versões modernas. Aliás, mesmo quando o nome de uma sopa soa a vegan, como é o caso da sopa de trigo, na Madeira, ou da sopa de funcho, nos Açores, é prudente perguntar, já que estes caldos tradicionais incluem muitas vezes pedaços de enchidos usados para dar mais sabor. Regra geral, as sopas vegan mais seguras e comuns em todo o país são a sopa de legumes, a sopa de tomate e o gaspacho alentejano, todas feitas com azeite, legumes e água, sem recurso a caldo de carne.

 

Pratos salgados à base de pão

Se estiver a comer no Alentejo ou no Ribatejo, o pão não é apenas um acompanhamento, e é muitas vezes a própria base da refeição. Os pratos mais emblemáticos da região são a prova de que a necessidade pode transformar-se em algo delicioso. As migas alentejanas, por exemplo, elevam o pão duro a outro nível. O pão é esfarelado, frito lentamente com alho e azeite e misturado com verduras ou espargos até formar uma massa dourada e aromática. Quando feitas à moda antiga, sem molhos de carne ou enchidos, são totalmente veganas. Há também a açorda de alho ou a açorda de tomate, variações do mesmo conceito, em que o alho é esmagado com sal, azeite e ervas, e depois se junta água quente e pão até formar uma espécie de papa espessa e reconfortante. Alguns restaurantes completam o prato com ovos escalfados ou bacalhau, mas as versões rurais originais são simples e à base de plantas, por isso basta pedir sem esses toques finais.

 

Plate of crispy golden cubes of fried polenta on a table.Imagem cortesia de W360

 

Se seguir mais para sul, no Algarve, pode deparar-se com o xerém, uma papa de milho grosso cozinhada como uma polenta cremosa, enriquecida com alho e azeite. A versão com marisco é a mais comum, mas o xerém simples, sobretudo em tascas do interior, é naturalmente vegano. Na Madeira, o mesmo espírito aparece no milho frito (fotografado acima), que são pequenos cubos dourados de farinha de milho frita, crocantes por fora e cremosos por dentro. Servem-se como acompanhamento, mas são tão bons que muitas vezes roubam as atenções, e também são um excelente petisco a qualquer hora do dia, especialmente acompanhados de uma bebida fresca.

 

Legumes e verduras típicos portugueses

Quando se pede legumes em Portugal e estes vêm como acompanhamento de um prato principal (geralmente de carne ou peixe), é muito provável que lhe sirvam legumes cozidos, frequentemente um pouco moles. Falamos sobretudo de batatas, cenouras, brócolos e feijão-verde. Mas comer verduras à portuguesa pode ser muito mais saboroso, já que são muitas vezes salteadas com generosas quantidades de azeite e alho, resultando num prato nutritivo e cheio de sabor. Os grelos salteados, por exemplo, ligeiramente amargos mas muito aromáticos, encontram-se quase por todo o centro e norte do país.

 

Bowl of tomato and pepper soup with bread slice on a wooden surface.Imagem cortesia de Petitchef

 

Há também a tomatada, um estufado de tomate do sul que equilibra o doce e o ácido com azeite e alho. A tomatada é muitas vezes servida com ovos escalfados mas, tal como acontece com a açorda, pode simplesmente pedir sem ovo. Combina lindamente com arroz, que ajuda a aproveitar o molho, mas é também comum vê-la acompanhada de batatas fritas.

 

Sliced cooked carrots with herbs served on a striped plate.Imagem cortesia de Ruralea

 

As cenouras à algarvia, cenouras cozidas e marinadas em colorau, vinagre e alho, são uma entrada fria típica do Algarve mas que, felizmente, se encontra também em muitas ementas de petiscos noutras zonas do país, especialmente na região de Lisboa.

 

A bowl of roasted red and green bell pepper strips.Imagem cortesia de Intermarché

 

E nenhuma mesa de verão está completa sem pimentos assados, pimentos verdes e vermelhos grelhados e depois regados com azeite e vinagre. É o acompanhamento estrela das sardinhas assadas durante os meses quentes, mas são igualmente deliciosos sozinhos ou para dar um toque mais interessante a uma salada mista, que é a salada mais comum e simples em Portugal, feita com alface, tomate e cebola.

 

Arroz e leguminosas à portuguesa

As cozinhas portuguesas estão cheias de pratos tradicionais à base de feijão e outras leguminosas, que alimentaram gerações. O arroz de tomate, ligeiramente malandrinho, é um dos prazeres mais simples que se pode pedir e está presente em praticamente todo o país. O arroz de feijão, confecionado com feijão encarnado, tomate e azeite, é outro clássico que é totalmente vegan, a menos que o cozinheiro decida juntar-lhe enchidos (não é muito comum, mas, em caso de dúvida, basta perguntar). Pedir uma sopa, um arroz de feijão e uma boa salada é uma refeição completa e saborosa, e muito portuguesa.

No norte e centro do país, um dos pratos à base de plantas mais reconfortantes é o das migas de broa com couve e feijão. É uma combinação robusta de broa, couve e, mais frequentemente, feijão-frade, embora na região das Beiras também se encontrem versões com feijoca, uma parente maior e mais cremosa do feijão-branco. Cozinhadas lentamente com azeite e alho, estas migas são densas, rústicas e suficientemente nutritivas para serem uma refeição completa, com a proteína das leguminosas, as fibras das verduras e os hidratos da broa.

 

Cooked broad beans in sauce, garnished with parsley leaves on a white plate.Imagem cortesia de Receitas ao Desafio

 

Nos Açores, as favas guisadas oferecem uma variação curiosa sobre o tema. Ao contrário da versão continental, as favas com enchidos, que incluem carne, o estilo açoriano, sobretudo nas ilhas do Pico e da Terceira, é mais leve e geralmente vegetal por defeito. As favas são estufadas com bastante cebola, por vezes um pouco de tomate, azeite e ervas, criando um prato aromático que vive apenas do sabor dos ingredientes vegetais. No máximo, alguns cozinheiros podem usar caldo de carne, por isso vale a pena confirmar, mas fora isso, as favas com cebolada continuam a ser um dos pratos açorianos mais simples e autênticos à base de plantas.

 

Sobremesas portuguesas naturalmente vegan

Se há algo pelo qual a cozinha portuguesa não é conhecida, é por contenção no uso de ovos. Basta entrar numa pastelaria e verá o balcão envidraçado iluminado por uma variedade de doces amarelados, entre os quais pastéis de nata, doces conventuais e outros bolos típicos. Deliciosos, sim. Veganos, nem por isso. Dito isto, os tempos estão a mudar. Pelo menos em Lisboa e no Porto, já existem pastelarias especializadas em versões veganas dos doces tradicionais, incluindo o emblemático pastel de nata. Em Lisboa, espaços como a Vegannata ou a Nat’elier dominaram a arte de recriar o pastel de nata sem ovos nem laticínios, enquanto no Porto a Padoca Vegan apresenta a sua própria versão do clássico, provando que a doçaria portuguesa pode evoluir sem perder a alma.

 

Close-up of a golden brown croissant on a wooden surface.Imagem cortesia de Panizende

 

Mesmo assim, se entrar numa pastelaria tradicional em vez de uma loja especializada, vale a pena saber que alguns produtos expostos podem já ser vegan por defeito, ainda que não venham identificados como tal, e mesmo que a equipa não o consiga confirmar com certeza. O segredo está em perceber como funciona a produção da pastelaria portuguesa. A maioria das pastelarias utiliza margarina vegetal em vez de manteiga, sobretudo porque é mais barata e mais fácil de trabalhar com o calor. Assim, quando vir doces que claramente não levam ovos nem leite, como croissants folhados simples, caracóis com frutas cristalizadas ou palmiers sem cobertura nem recheio, há uma boa probabilidade de serem veganos. Evite apenas o croissant brioche, pois esse leva ovos e leite, mas as massas folhadas feitas apenas com farinha, margarina, açúcar e sal são muitas vezes de origem vegetal.

O único detalhe a ter em conta é o ocasional pincelado de ovo usado para dar brilho à superfície. Se o croissant folhado parecer mais mate e estaladiço do que brilhante, é provavelmente seguro. Claro que não há garantias, e a maioria dos cafés não o saberá confirmar, mas é uma dica útil a reter. Num país onde a manteiga é raramente usada nas cozinhas das pastelarias tradicionais, pode acontecer que o seu café venha, por feliz acaso, acompanhado de um croissant vegano.

Mas enquanto as pastelarias, esse híbrido tipicamente português entre café e casa de doces, são o território dos bolos e das massas folhadas, as sobremesas dos restaurantes pertencem a outro mundo. Aqui, os doces são para comer com talheres, não com as mãos. Raramente encontrará um pastel de nata na lista de sobremesas de um restaurante, assim como não verá mousse de chocolate ou maçã assada numa pastelaria. Por isso, depois de explorar os doces do balcão da pastelaria, vale a pena descobrir o que os restaurantes têm a oferecer em matéria de sobremesas mais compatíveis com uma alimentação à base de plantas.

Comecemos pela mais simples e mais comum, a fruta. Pode não soar muito entusiasmante, mas em Portugal a fruta é uma sobremesa legítima para muitos, e não apenas para veganos. Pedir fruta num restaurante tem as suas vantagens, já que alguém trata de tudo por si. Se pedir uma laranja (que pode vir polvilhada com canela, nesse caso chamada laranja com canela), será servida já descascada e bem fatiada. No verão, o melão e a meloa são escolhas frequentes, servidos em fatias grossas ou em cubos, bem frescos. O ananás, ou abacaxi, é outro clássico dos restaurantes, geralmente servido em rodelas elegantes, acompanhado de garfo e faca. E, nos Açores, o ananás dos Açores, consideravelmente mais caro, mas também mais aromático, é uma verdadeira iguaria. Para provar um pouco de tudo, pode simplesmente pedir uma salada de frutas, que por vezes é servida com um ligeiro toque de vinho do Porto, algo que também pode pedir para experimentar, a gosto.

 

Poached pear in red sauce on a decorative blue and white plate.Imagem cortesia de Restaurante Espanhol em TripAdvisor

 

Depois há as sobremesas de fruta cozida ou assada, sendo a maçã assada a mais comum de todas. Este clássico consiste numa maçã descaroçada, polvilhada com açúcar e canela (às vezes com um toque de vinho do Porto) e levada ao forno até ficar macia. É perfumada, reconfortante e, de certa forma, a resposta portuguesa ao crumble de maçã, mas sem o crumble. A pêra bêbeda é outra sobremesa muito popular, tanto em casas particulares como em restaurantes, feita com peras cozidas em vinho tinto, açúcar, canela e cravinho, servidas frias.

 

Slices of quince paste on a wooden board next to fresh quince.Imagem cortesia de Tradições Doces

 

As compotas e doces de fruta são outra boa aposta no universo dos doces veganos. A marmelada, pasta de marmelo que deu origem ao termo inglês marmalade, é feita apenas com marmelo, açúcar e limão, e faz parte das mesas portuguesas há séculos. Costuma ser servida com queijo, mas pode pedir que a tragam com pão, como era habitual nas casas mais modestas. O doce de abóbora, cozinhado lentamente com açúcar, canela e por vezes um toque de casca de laranja, é outro clássico. Normalmente serve-se com requeijão, mas também pode ser barrado em pão torrado ou simplesmente saboreado à colher, como um final de refeição doce e 100% vegetal.

 

Como combinar pratos para uma refeição vegana completa

Numa tasca portuguesa, uma refeição vegan equilibrada e satisfatória constrói-se facilmente quando a base é um prato de leguminosas (proteína), acompanhado de uma dose de legumes ou verduras (fibra e micronutrientes), uma fonte de hidratos (energia) e, claro, o azeite como gordura principal. A sopa pode abrir ou fechar a refeição. Se não se lembrar de mais nada, lembre-se disto: leguminosas + cereais/hidratos + verduras + azeite é a fórmula de ouro da alimentação vegetal à portuguesa.

Comece pela sopa, que é uma escolha segura em praticamente qualquer restaurante e, além disso, costuma ser deliciosa. A sopa de legumes ou o caldo verde sem chouriço oferece-lhe vegetais, conforto e saciedade sem ofuscar o resto da refeição. A seguir, escolha uma base proteica que se encontra facilmente na cozinha tradicional portuguesa, como o arroz de feijão, as migas com broa, feijão e couve, ou, nos Açores, um estufado de favas com cebola. Estas opções dão-lhe proteína vegetal honesta, da forma como também se come nas casas portuguesas.

White plate with cooked leafy greens on a blue wooden table.

Imagem cortesia de Solinca

Depois, adicione as verduras ou legumes cozinhados. Algo como grelos salteados, couve, legumes cozidos variados ou, no verão, uma salada de pimentos assados. Se a absorção de ferro lhe preocupa, combine as leguminosas e as verduras com uma boa fonte de vitamina C, como tomate, pimentos ou até um simples toque de limão. Mesmo uma laranja com canela depois da refeição ajuda a esse propósito.

 

Smashed potatoes with rosemary on a plate.Imagem cortesia de Knorr

 

Em seguida, escolha a sua fonte de hidratos, especialmente se o prato principal de proteína não a incluir. Nesta parte está praticamente livre de preocupações, já que quase todas as opções são naturalmente veganas. Pode escolher entre arroz branco, batata cozida, arroz de tomate malandrinho ou batatas a murro regadas com azeite.

Tudo isto pode ser combinado de formas que refletem verdadeiramente o modo português de comer. Um conjunto típico e equilibrado poderia ser sopa, arroz malandrinho de feijão e grelos salteados, com umas azeitonas na mesa para dar mais sabor e satisfação. Outra combinação muito comum seria sopa de legumes, migas com feijão e couve, com fruta para finalizar.

Também pode montar uma refeição completa a partir de petiscos, mas convém ter presente a necessidade de proteína. As azeitonas temperadas e os pimentos assados são ótimos, mas representam gordura e vegetais. Junte proteína com tremoços, um petisco muito português e rico em proteína, e/ou uma salada de feijão ou grão pedida especialmente sem atum e sem ovo. Termine com pão ou batata como fonte de hidratos e terá uma refeição equilibrada, sem precisar de pedir um “prato principal”.

Por fim, há pequenos detalhes a ter em conta para que o plano se mantenha verdadeiramente vegan e equilibrado. Por exemplo, confirme se as sopas são feitas com caldo de legumes, e lembre-se sempre de pedir o caldo verde sem chouriço.

 

Como pedir o que quer, sem parecer um cliente difícil

Depois de perceber como funcionam os restaurantes tradicionais portugueses, vai descobrir que comer à base de plantas por cá é, muitas vezes, uma questão de boa comunicação. Comece por ter em mente que a maioria dos restaurantes típicos são negócios familiares. O empregado de mesa pode muito bem ser o dono, e quem cozinha provavelmente é um parente que faz os mesmos pratos há décadas. Pode ser que nunca tenham ouvido a palavra “vegan”, mas vão compreender perfeitamente se disser de forma clara “sem carne, sem peixe e sem ovos”. Se for educado e simpático, a maioria fará o possível para adaptar um prato ao seu gosto. O segredo está em ser direto, mas gentil. Em vez de tentar explicar o que significa ser vegano, basta dizer aquilo que não come. Frases simples como “sem carne e sem peixe, se faz favor” ou “pode ser só com azeite?” funcionam sempre melhor do que explicações longas.

 

Wooden tray with olives, olive oil, butter, and bread slices.Imagem cortesia de Barzin

 

Depois de perceber como funcionam os restaurantes tradicionais portugueses, vai descobrir que comer à base de plantas por cá é, muitas vezes, uma questão de boa comunicação. Comece por ter em mente que a maioria dos restaurantes típicos são negócios familiares. O empregado de mesa pode muito bem ser o dono, e quem cozinha provavelmente é um parente que faz os mesmos pratos há décadas. Pode ser que nunca tenham ouvido a palavra “vegan”, mas vão compreender perfeitamente se disser de forma clara “sem carne, sem peixe e sem ovos”. Se for educado e simpático, a maioria fará o possível para adaptar um prato ao seu gosto. O segredo está em ser direto, mas gentil. Em vez de tentar explicar o que significa ser vegano, basta dizer aquilo que não come. Frases simples como “sem carne e sem peixe, se faz favor” ou “pode ser só com azeite?” funcionam sempre melhor do que explicações longas.

Se o empregado trouxer à mesa alguns petiscos antes de fazer o pedido, normalmente azeitonas, pão, manteiga, queijo ou algum tipo de patê, isso chama-se couvert. Não é uma oferta, mas também não é uma armadilha, pois simplesmente é algo que faz parte da cultura gastronómica portuguesa. O importante é saber que o couvert pode ser cobrado de duas formas diferentes. Em alguns restaurantes, é cobrado por item, o que significa que só paga o que realmente consumir. Se comer as azeitonas mas deixar a manteiga e o queijo, só as azeitonas aparecem na conta. Noutros lugares, o couvert é cobrado por pessoa, com um preço fixo que inclui todo o conjunto de produtos servidos (especialmente quando chegam todos juntos, como na foto acima), independentemente de os comer ou não. Pode sempre confirmar o preço antecipadamente, já que, por lei, o couvert tem de estar indicado na ementa impressa e costuma aparecer logo nas primeiras linhas. Se não lhe interessam os produtos de origem animal, como a manteiga, o queijo, os enchidos ou os patês, pode pedir para substituí-los por opções vegetais ou simplesmente dispensá-los. Algo tão simples como “Só as azeitonas e o pão, por favor” funciona perfeitamente. Se pedir, a maioria dos restaurantes trará de bom grado um pouco de azeite extra para molhar o pão, o que, convenhamos, é por vezes ainda melhor do que a manteiga servida. Já que está a pagar o couvert de uma forma ou de outra, mais vale aproveitar o que realmente gosta e, em Portugal, bom pão, boas azeitonas e bom azeite valem sempre a pena saborear com calma.

As ementas dos restaurantes mais pequenos são curtas, e os pratos do dia mudam conforme a disponibilidade. Essa flexibilidade pode jogar a seu favor, já que muitos cozinheiros podem preparar um prato de legumes ou um misto de acompanhamentos no momento. Uma frase útil é “Pode fazer um prato só com acompanhamentos?”, e normalmente a resposta será positiva. Outras situações comuns também se resolvem facilmente. Por exemplo, se a sopa tiver chouriço, pode pedir “a mesma sopa, mas sem o chouriço, se faz favor”; e se o prato vier com ovo, diga apenas “sem ovo, por favor”.

No fundo, tudo se resume a comunicar com clareza e simpatia, e a demonstrar interesse genuíno pela comida e pela cultura. A maioria das pessoas reage com amabilidade, e um elogio sincero no final, como “estava delicioso”, abre sempre portas para uma boa conversa.

 

Pequeno guia prático para refeições veganas em restaurantes tradicionais:

  • Confirme se a sopa é feita com caldo de legumes.
  • Peça o caldo verde sem chouriço.
  • Prefira acompanhamentos como arroz, batata, legumes ou grelos salteados.
  • O couvert pode ser cobrado por item ou por pessoa, confirme antes.
  • Evite surpresas pedindo “sem ovo”, “sem atum” ou “só com azeite”.
  • Se quiser improvisar, peça “um prato só com acompanhamentos”.
  • E, acima de tudo, seja simpático. Em Portugal, a boa disposição é sempre o melhor tempero!

 

Depois de conhecer melhor os restaurantes tradicionais, vai perceber que Portugal pode ser, afinal, um destino surpreendentemente recompensador para quem come vegan. Para mais dicas como estas, subscreva a newsletter da Taste of Lisboa e acompanhe as nossas publicações regulares no Instagram.

 

Continue a alimentar a sua curiosidade pela cultura gastronómica portuguesa:

A melhor comida e vinhos veganos portugueses em Lisboa

Os melhores chefs portugueses de cozinha vegetariana e vegan

Projetos portugueses de gastronomia que vale a pena conhecer e seguir

O guia completo do azeite em Portugal

 

Pessoas genuínas, comida autêntica. Venha connosco onde os portugueses e lisboetas vão:

Reserve o seu lugar na nossa próxima experiência gastronómica & cultural.

Siga-nos para mais em InstagramTwitter e Youtube