As regras - não escritas - de etiqueta nas pastelarias: como pedir como um português

Uma pastelaria portuguesa desafia qualquer tentativa de definição simples. Não é exatamente um café, embora possa sentar-se com uma meia de leite e ficar o tempo que quiser. Também não é bem uma padaria, ainda que o balcão esteja sempre repleto de pães e bolos típicos portugueses. E chamar-lhe snack-bar ou restaurante também não lhe faz justiça. Uma pastelaria é tudo isso e visitar com alguma frequência é, sem dúvida, parte do quotidiano de muitos portugueses.
A pastelaria desempenha um papel muito particular em Lisboa, tal como em muitas outras cidades portuguesas e até em vilas de média dimensão. É ali que a comunidade se cruza: onde colegas de trabalho desanuviam depois de uma manhã difícil, onde os avós mimam os netos com um doce depois da escola, ou onde adolescentes tentam parecer mais crescidos a beber um refrigerante.
Imagem de capa de Lisbon City Guide
Imagem cortesia de NIT Amadora
A maioria das pastelarias abre cedo, por volta das 7h, para apanhar o movimento dos primeiros trabalhadores. E embora muitas fechem ao final da tarde, durante o dia funcionam de forma contínua, adaptando-se ao ritmo e às necessidades da clientela. Há uma transição muito natural entre o pequeno-almoço à portuguesa, o lanche a meio da manhã, o almoço e o lanche da tarde, ritual esse que normalmente inclui um café e um doce ou uma sandes. É raro encontrar uma pastelaria aberta à noite, mas, durante o horário de almoço, muitas servem pratos caseiros a preços muito convidativos.
Curiosamente, ainda é pouco comum encontrar menus impressos, especialmente quando se entra numa casa mais tradicional. Os produtos nem sempre estão identificados, não há quem o encaminhe para uma mesa e ninguém se vai levantar para explicar como tudo funciona. Parte-se do princípio que já se sabe, ou que já lá se esteve antes. Claro que isto faz sentido para quem é local, mas não será propriamente justo para quem nos visita. É por isso que queremos guiá-lo pelos essenciais, para que, da próxima vez que entrar numa pastelaria portuguesa, consiga pedir (quase) como um verdadeiro lisboeta.
Imagem cortesia de Mercado da Carne
O que se serve nas pastelarias portuguesas
Mesmo que a maioria das pastelarias não tenha um menu impresso, a verdade é que quase todos os portugueses sabem o que pedir. Estes estabelecimentos são incrivelmente consistentes. Pode haver algumas variações, dependendo dos donos ou da região, mas a oferta costuma ser bastante semelhante em todo o país.
Uma das primeiras coisas que vai notar ao entrar numa pastelaria é o balcão de doces, repleto de opções açucaradas e com recheio de creme. No centro de tudo, quase sempre, está o pastel de nata. Mas o doce mais icónico de Portugal vem muito bem acompanhado, rodeado por dezenas de outras especialidades nacionais igualmente tentadoras, como as bolas de Berlim, os mil-folhas, os jesuítas (folhados triangulares com recheio de creme de amêndoa e doce de ovos), os palmiers e os guardanapos (triângulos de pão de ló recheados com doce de ovos), entre muitas outras especialidades nacionais e regionais.
Imagem cortesia de NIT
Mas as pastelarias não vivem só de massa e açúcar. Também vendem uma grande variedade de salgados tipicamente portugueses. É o caso dos rissóis, em forma de meia-lua e recheados com carne picada ou camarão com béchamel, dos folhados com diferentes recheios, dos croquetes (rolinhos de carne panados e fritos), das empadas individuais de frango, a versão portuguesa das chamuças, e dos pastéis de bacalhau, preparados com batata e salsa. Estes salgados são ideais para quem quer comer qualquer coisa entre refeições, sem necessariamente querer algo doce.
Imagem cortesia de Revista Business Portugal
Também pode visitar uma pastelaria para comprar pão. É vendido para levar, mas também é utilizado na preparação de muitos dos produtos servidos no local, como os pães com manteiga, as sandes de queijo ou de fiambre, a clássica tosta mista, ou até o prego no pão, a que se pode juntar mostarda a gosto.
Mas talvez a oferta mais surpreendente de uma pastelaria seja o prato do dia. Embora algumas se dediquem exclusivamente ao café, doces e salgados, não é nada raro que também sirvam almoços durante os dias da semana. São pratos simples, caseiros, que se cozinham facilmente em grandes quantidades. Pode ser uma sopa do dia, um arroz típico português (como o arroz de pato), um empadão ou até uma feijoada com enchidos, só para dar alguns exemplos.
No que toca a bebidas, o café é, muito provavelmente, o produto mais pedido numa pastelaria. Mas também vai encontrar sumos naturais, especialmente o clássico sumo de laranja espremido na hora, além da seleção habitual de refrigerantes, iced teas engarrafados, águas simples ou aromatizadas e, claro, cerveja. Se a pastelaria servir almoços, é certo que também terá vinho disponível.
Como fazer um pedido numa pastelaria portuguesa
Não conte entrar numa pastelaria portuguesa e receber um menu. Na melhor das hipóteses, algumas têm um quadro na parede com algumas sugestões, mas nem isso é garantido. Quase tudo o que está disponível encontra-se exposto ao balcão, pronto para ser apontado. O problema é que muitos destes itens, doces e salgados, não estão identificados. Por isso, a menos que já esteja familiarizado com a oferta, é natural que não saiba o que escolher. E se tiver alguma restrição alimentar, a escolha torna-se ainda mais complicada, pois algo pode parecer apetitoso, mas não se percebe exatamente o que leva no interior, a não ser que saiba como perguntar.
Os pratos do dia e os respetivos preços estão normalmente escritos em algum lado, muitas vezes à mão, junto ao balcão ou até na montra, funcionando também como chamariz para quem passa à hora de almoço. Não tenha receio de perguntar aos funcionários, já que, por vezes, o nome principal do prato pode estar escrito, mas convém sempre confirmar o que inclui a receita e quais os acompanhamentos. Por exemplo, no caso do peixe grelhado, pode ver anunciado “robalo grelhado”. A maioria dos portugueses sabe que, por defeito, o prato vem com batatas cozidas e alguns legumes como brócolos, feijão verde e/ou cenoura. Mas é claro que ninguém espera que os visitantes saibam isso automaticamente. Por isso, se tiver dúvidas, pergunte. Se quiser saber o que há para o almoço, basta dizer: “O que é que têm hoje para comer?”. Muito provavelmente, o funcionário apontará para alguém que já esteja a almoçar, para que possa ver o prato servido.
As pastelarias funcionam com base na eficiência e na familiaridade, e é por isso que os menus acabam por parecer desnecessários neste tipo de espaço. Ainda assim, reconhecemos que, na prática, a clientela é hoje mais diversificada do que nunca, e talvez seja altura de repensar isso. Nas cidades, já se nota que cada vez mais estabelecimentos estão a adaptar-se a esta nova realidade, tornando a sua oferta (e os preços) mais visíveis e claros para quem quer fazer o pedido.
Imagem cortesia de Time Out Lisboa
Visitar uma pastelaria e pedir como um local
Na maioria das pastelarias, há duas zonas principais: o balcão e as mesas. Os locais costumam ficar ao balcão quando estão com pressa, o que, de manhã, é praticamente sempre o caso. É ali que se bebe um café (uma bica) em dois goles, ombro a ombro com outros clientes, talvez se coma um pastel de nata ou uma sandes, e se sai ao fim de cinco minutos. Se não tiver pressa e quiser sentar-se, basta escolher uma mesa livre. Não é preciso pedir autorização. Em algumas pastelarias mais modernas, sobretudo nas grandes cidades, mesmo sentado é esperado que vá ao balcão pedir e pagar. Pode trazer os produtos até à mesa numa bandeja ou, nalguns casos, será o próprio staff a levá-los quando estiverem prontos. Já nas pastelarias mais tradicionais, costuma ser possível fazer o pedido à mesa e ser servido ali mesmo, embora muitas vezes continue a ser necessário pagar no balcão antes de sair. Em certos sítios, se estiver à espera que lhe tragam a conta à mesa, bem pode esperar sentado.
Quanto às gorjetas, como é habitual em Portugal, não são obrigatórias, mas são sempre bem recebidas. Há quem arredonde o valor da conta ou deixe umas moedas, mas dar gorjeta numa pastelaria é ainda menos comum do que num restaurante.
De forma geral, não espere muitas cortesias ao aproximar-se do balcão para pedir. As pessoas não serão mal educadas, mas o ritmo é rápido, por isso convém já saber o que quer quando chegar a sua vez, sobretudo nas horas de maior movimento, quando há quem esteja apenas a tentar beber um café antes de entrar no trabalho. Não estranhe se alguém fizer o pedido enquanto ainda está a decidir. Os locais são rápidos e o funcionário voltará a si quando estiver pronto. Se quiser pedir algo do balcão de bolos, basta apontar e dizer “Queria este, por favor”. Se for hora de almoço e quiser saber o prato do dia, pode perguntar “Qual é o prato do dia?”.
Imagem cortesia de Time Out Lisboa
Não espere que o seu pedido seja apontado. É comum que o pessoal memorize tudo, mesmo quando o seu grupo pede cinco coisas diferentes. Confie no sistema e não se preocupe se parecer que ninguém está a controlar o que pediu. Estão, sim! Quando for altura de pagar, basta dirigir-se à caixa e dizer o que consumiu. Nas pastelarias de bairro, ainda existe um sentido de responsabilidade e confiança mútua que rege este tipo de interação, quase como um contrato social implícito.
Quanto ao melhor momento para visitar uma pastelaria, depende do que procura. De manhã cedo, entre as 7h e as 9h30, o ambiente é dominado por trabalhadores e habituais, sendo o período mais movimentado. A meio da manhã, entre as 10h e as 11h30, começam a aparecer os primeiros lanches e as conversas mais descontraídas. O almoço começa por volta do meio-dia e atinge o pico à uma da tarde. Se chegar muito depois disso, é provável que já não haja todos os pratos do dia disponíveis. Entre as 16h e as 17h é a chamada hora do lanche, com mais café, bolos, talvez algo salgado, e mais conversas sobre o dia. Às 19h muitas pastelarias começam a fechar. Algumas ficam abertas mais tempo, mas não conte com elas para jantar, a menos que queira uma tosta ou qualquer coisa que ainda esteja disponível na montra. Até a sopa do dia já costuma ter desaparecido a essas horas. Ainda assim, há pastelarias que ficam abertas até mais tarde e, nessas, é comum ver os vizinhos a passar para tomar o café da praxe depois de jantar em casa. É um momento tranquilo para descontrair e pôr a conversa em dia, algo que continua a ser habitual em vilas e cidades pequenas, ainda que menos frequente em centros urbanos como Lisboa.
O essencial sobre o que se pede numa pastelaria
Mesmo quem cresceu em Portugal raramente pensa nisto como um sistema com regras, mas a verdade é que as pastelarias seguem uma lógica muito própria. Pode parecer confusa à primeira vista, mas rapidamente percebemos que existe um vocabulário e um conjunto de hábitos partilhados por todos, de norte a sul do país.
Imagem cortesia de Marketeer
O Café
O café é a alma de qualquer pastelaria. Não é raro ouvir turistas confusos quando percebem que não há cappuccinos nem flat whites como nos menus internacionais. Em Portugal, a cultura do café tem vida própria e nomes bem específicos:
- Bica: o típico café curto e forte, servido em chávena pequena. Em Lisboa é o termo mais usado, enquanto noutras zonas do país se diz simplesmente “um café”. No Porto, ouve-se “um cimbalino”.
- Café cheio: um espresso um pouco mais longo, para quem prefere mais quantidade sem ganhar mais cafeína.
- Café curto: ao contrário do anterior, com menos quantidade e mais intensidade. Em alguns sítios é chamado de “italiana”.
- Pingado: um café com uma gotinha de leite. Muito mais café do que leite, sempre.
- Meia de leite: metade café, metade leite, servida numa chávena maior. Lembra um cappuccino, mas sem espuma.
- Galão: servido num copo alto, com muito leite e pouco café. Mais comum ao pequeno-almoço.
- Descafeinado: pode ser curto ou cheio, consoante preferir. Aplica-se também a bebidas de café com leite, só tem de dizer como o quer.
- Café com gelo: típico nos meses quentes. Costuma ser um café simples, servido com um copo cheio de gelo à parte. O cliente mistura como quiser.
Imagem cortesia de Spring Talks
Pão e sandes
O pão é presença obrigatória nas pastelarias. Serve-se simples ou recheado, torrado ou tal qual:
- Pão com manteiga: pão simples, cortado e barrado com manteiga. Ideal para começar o dia.
- Torrada: fatias de pão tostado com bastante manteiga derretida. Normalmente feito com pão de forma grosso, mas se pedir “em pão saloio” será com fatias de pão rústico.
- Sandes de queijo / de fiambre: feitas em bolinha ou carcaça. Simples, eficazes.
- Sandes mista: com queijo e fiambre, e às vezes também com manteiga.
- Tosta mista: a versão quente da sandes mista, com o queijo derretido. Conforto garantido.
- Prego no pão: bife fininho e com alho servido num pão macio. Pode levar mostarda, se quiser.
- Bifana: carne de porco marinada, bem suculenta, no pão. Mais comum ao almoço ou ao lanche da tarde.
- Sandes de ovo: costuma ser uma sandes com uma omeleta fininha, às vezes acompanhada de alface.
- Sandes de panado: com panado de porco ou frango, e por vezes também alface.
Imagem cortesia de A Padaria Portuguesa
Para personalizar o pedido, pode usar expressões como:
- Com manteiga / sem manteiga
- Em pão de forma / pão integral / pão de mistura
- Torrado / aquecido
Bolos e doces
Há centenas de doces regionais em Portugal, mas nas pastelarias de Lisboa encontrará sempre os clássicos: pastel de nata, bola de Berlim, palmier, mil-folhas, jesuíta, guardanapo, entre outros. Se quiser descobrir mais além do pastel de nata, espreite o nosso artigo sobre os doces que deve provar numa pastelaria portuguesa.
Almoços e pratos do dia
Se visitar uma pastelaria por volta da hora de almoço, é provável que existam pratos do dia ou sugestões escritas num quadro. Eis o vocabulário mais comum:
- Prato do dia: pode incluir peixe, carne ou, menos frequentemente, um prato vegetariano. Quase sempre servido com arroz, batata ou salada.
- Sopa do dia: regra geral, uma sopa de legumes. Às vezes há alternativas como caldo verde, sopa de peixe, sopa de cozido ou sopa da pedra, com feijão e enchidos.
- Acompanhamentos mais comuns: arroz, batata cozida, batatas fritas, salada.
- Para comer aqui / para levar: algumas pastelarias perguntam isto logo ao balcão para saberem como preparar o pedido.
- Expressões úteis no dia a dia
- Bom dia / boa tarde: saudação ao entrar.
- Queria…: uma forma educada de pedir.
- Pode aquecer, por favor?: se quiser o seu bolo ou tosta quente.
- É tudo, obrigado/a: para terminar o pedido.
- A conta, se faz favor: quando está na hora de pôr as contas em dia.
- Pago já / pago no fim: para indicar se quer pagar antes ou depois de consumir.
Foto cortesia de Pedro S Bello na Wikipedia
Quando estiver em Lisboa, ou em qualquer outra parte de Portugal, recomendamos vivamente que entre numa pastelaria. Pode ir apenas para beber o seu café ou para matar a fome, mas estará também a participar num dos prazeres mais simples e democráticos da vida portuguesa, onde a boa comida se mistura com um certo sentimento de pertença.
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