O mundo do pão de fermentação natural: as melhores padarias artesanais em Portugal

O pão, nas suas diversas formas, é um alimento básico universal – simples, mas tão essencial. É a base da nutrição diária para culturas em todo o mundo e, aqui em Portugal, é um elemento tradicionalmente presente em todas as refeições.
As origens do pão em Portugal remontam a tempos antigos. Já durante a época do Império Romano, há mais de dois mil anos, o pão era um alimento fundamental. Foi precisamente nessa altura que o pão de trigo, de certa forma semelhante ao que mais consumimos hoje, se tornou comum, substituindo o pão de bolota, muito mais denso e difícil de digerir. Além de propagar o cultivo do trigo, os Romanos também introduziram técnicas avançadas de panificação na região, cuja influência persiste nas tradições de fazer pão em Portugal e Espanha até hoje. Por exemplo, a broa, um pão de milho português, tem as suas raízes no “panis quadratus” romano (aqui ilustrado), evoluindo ao longo dos séculos para incorporar o milho nativo trazido das Américas durante a Era dos Descobrimentos.
Imagem de capa cortesia de Pão de Gimonde
Imagem cortesia de World History Encyclopedia
Séculos depois, a revolução industrial trouxe mudanças significativas na produção de pão a nível global, incluindo em Portugal. A transição de métodos artesanais e intensivos a nível de mão de obra para a produção mecanizada significou que o pão podia ser produzido mais rapidamente e em maiores quantidades. No entanto, isso muitas vezes ocorreu à custa do sabor e do valor nutricional, especialmente devido à introdução do fermento comercial que veio substituir os fermentos naturais.
Como muitas vezes acontece com outros aspectos da vida, as tendências em torno do mundo do pão são cíclicas e, hoje, em contraste com a história recente, assistimos ao renascimento de métodos antigos de produção de pão, graças a novos negócios que se preocupam com o sabor e a integridade nutricional do pão, melhor obtidos seguindo métodos tradicionais de fermentação lenta. O pão de fermentação natural pode fermentar de várias horas a alguns dias, desenvolvendo um perfil de sabor mais complexo, robusto e ligeiramente ácido. Importante ainda, a fermentação lenta não só resulta num sabor muito satisfatório, como também realça os benefícios nutricionais do pão. Numa época em que o glúten foi demonizado por muitos, é relevante notar que a fermentação lenta e natural ajuda a quebrar o glúten e os açúcares, tornando o pão mais fácil de digerir e reduzindo o seu índice glicémico. Além disso, este processo aumenta a disponibilidade de nutrientes importantes, como as vitaminas B e minerais como ferro e zinco. Tudo isso é especialmente verdade quando não apenas o tempo e as leveduras naturais são responsáveis pela fermentação do pão, mas também quando farinhas de cereais integrais de boa qualidade são usadas nas receitas.
A reverência pelo grão é palpável nas mãos dos padeiros artesanais, que frequentemente utilizam farinhas de origem local e as combinam com cereais históricos portugueses, como o trigo Barbela, revivendo sabores que os processos industriais quase tornaram obsoletos.
Estas são algumas das pequenas padarias e padeiros que estão a manter vivas as melhores tradições da panificação portuguesa:
Pão de Gimonde
Para provar um dos melhores pães de Portugal, é necessário viajar até à pequena aldeia de Gimonde, na província nortenha de Trás-os-Montes. O Pão de Gimonde foi fundado em 1960, pelos pais da padeira e CEO Elisabete Ferreira, que agora lidera este negócio. O trabalho de Elisabete centra-se em preservar receitas e métodos tradicionais, mas também em pesquisar para continuar a inovar e produzir pão de alta qualidade de uma maneira realista e adequada aos dias de hoje. Este compromisso com a qualidade foi reconhecido internacionalmente quando Elisabete Ferreira se tornou a primeira mulher a ganhar o prémio de Padeira do Ano Mundial pela União Internacional de Padeiros e Confeiteiros (UIBC) em 2024.
O Pão de Gimonde segue processos artesanais, insistindo em métodos de fermentação lenta que realçam o sabor e melhoram a digestibilidade. A padaria mantém zelosamente o ‘verdadeiro sabor de antigamente’, utilizando fornos a lenha e ingredientes de alta qualidade, muitas vezes locais e esquecidos, como o centeio e o trigo sarraceno de Trás-os-Montes..
Além das suas operações diárias, o Pão de Gimonde colabora ativamente com universidades e instituições de pesquisa para inovar e melhorar continuamente os seus produtos. Elisabete e a sua equipa também estão envolvidas em iniciativas para reviver cereais tradicionais e promover uma cultura alimentar sustentável, demonstrando um profundo compromisso não só com a qualidade, mas também com a cultura e a comunidade.
Um dos princípios fundadores do Pão de Gimonde, que respeitamos profundamente, é que o pão de qualidade deve ser acessível a todos. Esta filosofia traduz-se nos seus preços justos, que não comprometem a qualidade, mas também no compromisso da padaria em educar o público. Elisabete, uma figura que admiramos profundamente e que se tornou sinónimo de pão de qualidade em Portugal e até no estrangeiro, acredita firmemente que o pão, um alimento básico no nosso país, deve ser celebrado e disponibilizado de uma forma que todos possam desfrutar do seu valor nutricional e cultural.
📍EN 218 N3798, 5300-553 Gimonde
Imagem cortesia de Público
Pão & Pizza
Localizado no coração do Alentejo, na pitoresca aldeia do Rosário, no Alandroal, o Pão & Pizza é na verdade um pouco mais do que uma padaria, pois também opera como um restaurante completo. As especialidades, porém, são o pão e as pizzas – por isso, podemos dizer que a equipa por trás deste projeto certamente sabe pôr as mãos na massa!
Revitalizando uma antiga padaria, o Pão & Pizza transformou-a num centro de negócios e comunidade que tem promovido conexões entre locais e visitantes que vêm até aqui para provar pão artesanal autêntico feito a partir de fermentos naturais e farinhas orgânicas. O menu é uma surpresa diária, ditada pelas colheitas da temporada, apresentando uma gama de pães desde os enriquecidos com vegetais até pães de trigo ricos e com um toque de frutos secos.
Liderado por Anna de Brito, este empreendimento também adotou técnicas tradicionais de panificação, usando ingredientes orgânicos predominantemente provenientes da sua própria quinta, Terramay. Esta estreita relação entre a horta e a mesa garante o máximo de frescura e um impacto ambiental mínimo. Pão & Pizza personifica o espírito ‘do campo à mesa’, onde a jornada dos ingredientes desde a colheita até ao serviço acontece em questão de horas. Esta abordagem não só apoia a agricultura local enquanto evidentemente garante a frescura dos alimentos servidos.
A visão do Pão & Pizza é clara: Anna pretende criar um modelo onde as práticas culinárias suportem não só a saúde dos indivíduos, mas também do planeta. Os visitantes do Pão & Pizza podem contar com uma experiência culinária deliciosa, mas indo além do sabor, também serão convidados a considerar outros aspetos relacionados com a natureza e a comunidade.
Se fizer a viagem até ao Alandroal, recomendamos não apenas experimentar a gama de pães do Pão & Pizza, mas também participar num dos eventos e workshops da Terramay, incluindo ateliers culinários de um dia até retiros de bem-estar mais longos. Achamos particularmente interessante a ‘experiência da quinta à padaria’ neste contexto, pois, antes de provar, os visitantes começam o dia na quinta Terramay, aprendendo sobre agricultura sustentável antes de se dirigirem à padaria propriamente dita. Deste modo, garante-se uma visão abrangente de tudo o que envolve fazer pão, desde a própria produção dos cereais usados para fazer a farinha. Garantimos que, além da experiência de aprendizagem em si, a consciência social e ambiental nunca souberam tão bem!
📍Rua do Século 17, Rosário, 7250-203 Bolhas, Alandroal
Imagem cortesia de Expresso
Padaria Brutalista
A Padaria Brutalista, em Coimbra, liderada por Patrícia Miguel Dias, representa uma reinterpretação radical do modelo tradicional de padaria, junto com uma boa dose de activismo e um forte compromisso com a sustentabilidade.
Mais do que apenas vender pão, a Padaria Brutalista pretende educar o público sobre agricultura sustentável, a importância de ingredientes biológicos e os benefícios para a saúde do pão de massa mãe e dos alimentos fermentados naturalmente. Patrícia usa a sua plataforma para envolver os clientes em discussões sobre as origens dos alimentos, métodos de processamento e o impacto ambiental da produção alimentar. Este componente educativo é crucial, pois transforma cada compra numa oportunidade de aprendizagem para os consumidores.
Mais do que uma padaria convencional, vemos a Padaria Brutalista como um núcleo comunitário focado em promover uma ligação mais profunda entre as pessoas e a sua alimentação. Patrícia organiza workshops, participa em eventos locais e colabora com escolas e grupos comunitários para divulgar a sua mensagem sobre a importância de alimentos bons, limpos e justos. No fundo, ela espera que a comunidade passe a valorizar mais o que está envolvido na produção de alimentos, bem como a sua importância cultural.
No que diz respeito à produção do próprio pão, a padaria obtém os seus ingredientes de quintas locais e biológicas, assegurando que cada componente dos seus pães, desde a farinha até às sementes, seja produzido sem produtos químicos prejudiciais e de uma forma que apoie as economias locais. O compromisso de Patrícia com o fornecimento local ajuda também a reduzir a pegada de carbono da padaria. Ao promover e utilizar cereais cultivados localmente, Patrícia não só melhora a qualidade do seu pão mas também apoia o renascimento das economias de cereais locais, contribuindo para proteger a biodiversidade regional e encorajando os agricultores a cultivar de uma forma mais benéfica para o ambiente.
Enfatizando a arte da panificação tradicional, a Padaria Brutalista também utiliza processos de fermentação longa, valorizando técnicas muitas vezes esquecidas em configurações de produção mais modernas e rápidas, mas que aqui são celebradas pelo sabor, saúde e até sustentabilidade ambiental. Na Padaria Brutalista, a qualidade e sustentabilidade prevalecem sobre a conveniência!
Olhando para o futuro, Patrícia pretende expandir o seu impacto criando uma rede de padeiros e artesãos com a mesma mentalidade. A sua visão inclui o desenvolvimento de uma cooperativa ou coletivo que possa apoiar novos padeiros, partilhar recursos e promover práticas sustentáveis em toda a indústria. Tal rede não só ampliaria o alcance dos seus esforços educativos como também fortaleceria o mercado para o pão artesanal e sustentável, criando uma sólida alternativa à produção alimentar industrial.
📍Portela da Cobiça, 3030-781 Coimbra
🌐www.instagram.com/padaria_brutalista
Imagem cortesia de Coimbra Cooletiva
Seara de Pão
Fundada em 2006 em Mértola, Seara de Pão tornou-se um nome conhecido fora da região do Alentejo porque já ganhou o prestigiado ‘Melhor dos Melhores’ no Concurso Nacional de Pão Tradicional Português por duas vezes.
Localizada na aldeia de São Miguel do Pinheiro, a Seara de Pão especializa-se em pão regional alentejano, que é um dos estilos de pão rústico mais apreciados do país. Nesta padaria familiar, este pão robusto é elaborado por D. Iria dos Anjos Reis, que insiste em fazer as coisas como sempre foram feitas por aqui. Aderir à tradição e aos processos de fermentação lenta dá lugar a um pão de alta qualidade conhecido pelo seu sabor único e robusto, mas também pela sua durabilidade.
D. Iria não quer saber das complexidades das modas gastrónomicas de hoje em dia, e prefere concentrar-se nos elementos fundamentais que têm definido a panificação alentejana ao longo das gerações. Utiliza apenas ingredientes básicos como farinha, água, sal e o seu próprio fermento natural, abdicando completamente do fermento químico. Como alguém que tem uma certa idade, gosta de fazer as coisas à sua maneira, mas consideramos que isso é algo muito positivo. Porque alterar algo que já estava a ser bem feito?
É interessante observar como ‘o melhor pão de Portugal’ e algumas das padarias e padeiros mais icónicos do país não estão localizados em Lisboa. Embora estejamos sediados na cidade, apreciamos muito a descentralização dos tesouros culinários de Portugal e gostaríamos de ver os viajantes que vêm a Portugal explorar o nosso país e as cozinhas regionais portuguesas muito além da capital. Se tiver a sorte de viajar até ao Alentejo, sugerimos que explore os pratos alentejanos mais emblemáticos, bem como realize uma visita à Seara de Pão, para provar um dos melhores pães do país, que infelizmente não podemos comprar facilmente em Lisboa.📍Rua do Moinho 1, 7750-628 São Miguel do Pinheiro, Mértola
Imagem cortesia de Time Out Lisboa
Gleba
Já escrevemos anteriormente sobre a Gleba, enquanto destacamos as melhores padarias artesanais em Lisboa. Não é redundante falar novamente desta padaria, pois este projeto bem conhecido tem muito a ver com o renascimento das técnicas tradicionais de fabrico de pão e, talvez o que seja ainda mais relevante, a preservação de cereais portugueses ancestrais.
Diogo Amorim, o jovem fundador, estabeleceu a Gleba com a visão de voltar às raízes da panificação, utilizando cereais portugueses antigos e técnicas tradicionais. No coração da filosofia da Gleba está a crença de que o pão, um alimento tão antigo quanto a civilização, deve honrar a simplicidade e a integridade dos seus ingredientes. Este compromisso é evidente na prática de deixar as massas fermentar durante 24 horas completas em cestos de vime tecidos à mão. Esta fermentação lenta melhora a digestibilidade do pão e desenvolve um perfil de sabor complexo que é marcadamente diferente dos pães comerciais produzidos rapidamente. O sabor do pão da Gleba nem sequer pode ser comparado às variedades produzidas em massa. Na Gleba, o pão tem uma crosta escura e estaladiça, um miolo bem hidratado e um sabor intenso.
Amorim, que se aventurou na panificação após experiências em restaurantes de alta gastronomia como o The Fat Duck, na Inglaterra, quer trabalhar de uma forma que contrarie a industrialização que despojou muitos pães do seu património e caráter. Com uma forte convicção no valor cultural e gastronómico do pão, Amorim embarcou numa missão de reintroduzir Portugal ao seu património de padaria. Antes da abertura efetiva da Gleba, isso envolveu uma extensa pesquisa e diálogo com gerações mais velhas que retiveram o conhecimento de métodos e ingredientes tradicionais. As suas viagens por Portugal revelaram um tema consistente: o abandono generalizado de cereais nativos e métodos artesanais em favor da eficiência industrial e de grãos importados mais baratos.
Reconhecendo a necessidade de revitalizar essas práticas tradicionais, Amorim forjou parcerias com agricultores locais, incentivando o cultivo de cereais portugueses antigos como o trigo Barbela – que agora parece generalizado, mas que, até há uma década atrás, poucos conheciam. Estas parcerias baseiam-se em princípios de comércio justo, garantindo que pequenos agricultores encontrem um mercado fiável para as suas culturas, incentivando assim a revitalização de grãos patrimoniais. O resultado desses esforços é um pão que não só tem um sabor excepcional, mas também incorpora os princípios da sustentabilidade e produção local.
A Gleba começou como moagem e padaria no bairro de Alcântara, em Lisboa, e entretanto expandiu-se para mais de vinte lojas na própria cidade, em Cascais e várias localizações na Margem Sul, além de estar disponível em vários pontos de venda, como lojas especializadas. O pão da Gleba obviamente não é o mais barato no mercado, mas as legiões de clientes fieis são prova viva de que os consumidores portugueses se preocupam cada vez mais com a qualidade do pão que consomem, e as padarias artesanais de massa mãe vieram para ficar!
📍Rua Prior do Crato N16 1350-261 Lisbon – this is Gleba’s flagship store, but you can check their website for more locations in and around Lisbon:
Imagem cortesia de Gleba no Instagram
Imagem cortesia de Museu do Pão
Se, além de provar os pães das padarias que apresentamos acima, também estiver interessado em aprender mais sobre a história do pão em Portugal, recomendamos ainda uma visita ao Museu Nacional do Pão em Seia (Rua de Santana, Quinta Fonte do Marrão, 6270-538 Seia). Focado na arte e ciência da padaria, este museu exibe ferramentas tradicionais de panificação, realiza demonstrações e explora o papel relevante que o pão desempenha na cultura alimentar portuguesa.
Estas padarias estão certamente a contribuir para consolidar a nossa fé no futuro do pão em Portugal. Para acompanhar histórias como esta, inscreva-se na newsletter da Taste of Lisboa e não perca as nossas publicações regulares no Instagram.
Continue a alimentar a sua curiosidade pela cultura gastronómica portuguesa:
Guia do pão regional tradicional em Portugal
Os melhores locais de brunch em Lisboa (com um toque português)
As melhores pastelarias portuguesas de Lisboa
Pessoas genuínas, comida autêntica. Venha connosco onde os portugueses e lisboetas vão:
Reserve o seu lugar na nossa próxima experiência gastronómica & cultural.
Siga-nos para mais em Instagram, Twitter e Youtube